quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

A minha volta


Estávamos em julho de 94, mais precisamente, 22 de julho. Três anos de trabalho ininterrupto, sem férias, eu queria mais era chegar ao Brasil, ver a Copa e, se Deus quizesse (Ele quis!), comemorar o tetra com os amigos, muita cerveja, rouquidão e ressaca.
Meu vôo era da Korean Air Lines, mais barato, com duas escalas aprazíveis na Coréia (báh!), cinco horas de espera, depois Los Angeles e, Brasil! A primeira coisa que reparei quando entrei no avião, como sempre faço, foi nas aeromoças. Bonitas, as coreanas também tinham um corpo, digamos, mais cheio do que as japonesas, o rosto, oriental, é claro, tinham outras características que só aprendemos a distinguir quando convivemos muito tempo entre asiáticos. Esta história que japonês é tudo igual, coreanos, chineses, vietnamitas, etc. são a mesma coisa, é para ocidental mau observador. Entre um bem-vindo e outro, fui procurando meu assento na classe econômica, completamente lotada. Coreanos, alguns americanos e vários brasileiros dividiam democraticamente cada espaço, preparando-se para a viagem de 25 horas ou mais.
Qual não foi minha surpresa ao descobrir que o meu lugar estava ocupado. Gentilmente, solicitei à senhora loira que caísse fora, porque eu queria sentar e descansar um pouco, após tanta correria. Corinne, era este o nome da peça, não quiz sair. Americana de Cornejo Valley, Califórnia, psicóloga escolar, presumíveis 55 anos, desgastada pelo tempo, falava pelos cotovelos. Tal qual uma vendedora dessas bem chatas, explicou-me não haver diferença entre eu sentar no lugar que deveria ser meu ou sentar ao seu lado, bater um papo, conhecer as suas mil e uma aventuras, tomar uma cerveja e curtir a viagem. Acabou me convencendo - eu já não tinha saco para ficar discutindo e, além disso, porque deveria brigar para ficar no meu assento, quando poderia ficar ao seu lado, bater um papo, conhecer as suas mil e uma aventuras, tomar uma cerveja e curtir a viagem? Num inglês sofrível, fui me virando, explicando um pouco da minha vida mas, sobretudo, perguntando sobre a vida dela.
- Já fui à África, Japão duas vezes, alguns países da Ásia também, Índia...
- E o que você fazia nestes países?
- Eu gosto de conhecer o mundo, culturas diferentes, é uma terapia para mim.
- Vai ficar em Los Angeles?
- Não, vou ao Brasil.
- É a primeira vez?
- Não, estou indo pela segunda vez. Tenho uns amigos em São Paulo e vou aproveitar para passear.
O papo ia rolando, ela não parava de falar, pra descontrair um pouco mais resolvi pedir uma cerveja. Quem me atendeu foi uma comissária lindíssima, morena, um corpo perfeito, sorriso permanente e hipnótico, pele ligeiramente bronzeada, um T.
- Can I help you?
Será que ela é brasileira? Vamos testar.
- Eu quero uma cerveja.
- Ah, você é brasileiro?, perguntou com uma simpatia que fazia estremecer os botões da calça.
A partir deste momento, periodicamente, mesmo sem eu pedir, ela ia abastecendo meu organismo de álcool, infelizmente, com as aguadas cervejas americanas. Corine gostou da idéia. Demonstrando ou querendo demonstrar um refinamento especial, pedia somente vinho branco. Oba, uma companheira de copo! Que nada! Enquanto eu tomava uma lata de cerveja, ela matava duas taças de vinho e desandava a falar mais e mais. Várias doses após, começou a falar enrolado, mas aguentava firme. Dorme, condenada! Ela não dormia. A solução foi eu fingir que estava dormindo, uma maneira de dar um descanso aos meus pobres ouvidos. Meu estratagema deu resultado: fingi tanto que acabei adormecendo.
Entre acordar, dormir, ir ao banheiro e pedir cervejas, o tempo passou rapidamente, até Los Angeles. Nesta cidade desembarcaram várias pessoas, como também embarcaram muitas outras. Mais brasileiros invadiram o avião, desta vez compatriotas que se aventuravam nos States. Ao meu lado sentou-se um tal de Miro, médico recém-formado, premiado pelo pai com uma viagem para os Estados Unidos, um mês em homenagem ao seu diploma.
Contou-me que cruzara os Estados Unidos de leste a oeste, Oceano Atlântico até Oceano Pacífico, dentro de um carro, parando nas várias cidades do caminho.
- E não foi caro?, perguntei, procurando sondar as suas fontes de renda.
- É verdade, saiu um pouco caro, tanto é que acabou o dinheiro na metade da viagem.
- E como você fez?
- A minha sorte foi o meu tio ter deixado seu cartão de crédito comigo, gastei a maior grana.
Percebi qual era a situação do meu conterrâneo. Não que ter família rica seja mal, pelo contrário, o problema é constatar a desigualdade gritante existente entre as diversas classes sociais da nossa pátria, uns deitados eternamente em berço esplêndido e outros desafiando o peito a própria morte. O vírus esquerdista que havia me picado na adolescência não me abandonara após minha jornada num país de primeiro-mundo, onde, apesar do estilo de vida ser em grande parte contrário aos meus princípios de liberdade, trabalho, lazer, vida enfim, possibilita uma coisa praticamente esquecida em grande parte do mundo: o direito de vivermos razoavelmente bem com o dinheiro conquistado pelo nosso trabalho.
Corinne não estava interessada em filosofia, proletariado, Marx, Smith, nada. Seu objetivo exclusivo era me atazanar a paciência. Depois de trocentas taças de vinho, ela agora falava pelos dois cotovelos, estava insuportável. O cúmulo foi quando ela começou a me agarrar. Se fosse a gatíssima da aeromoça brasileira, tudo bem, não haveria problemas, afinal de contas eu também sou humano, mas uma velha cachaceira, dizendo-me kiss-me, kiss-me, sai pra lá, jaburu! A minha sorte foi ter aparecido mais pessoas em nosso grupo internacional, todos admirados com a facilidade com que conseguíamos cerveja, sempre em maior quantidade que a necessária. Alguns brasileiros, um americano surfista, encantado com a beleza da sua namorada tupiniquim, pois resolvera trocar as ondas da Califórnia pelas de Santa Catarina e, lógico, ficar com sua deusa, no total eram mais pessoas que o número de assentos. Solução: vamos todos sentar no chão. Ufa! Me desvencilhei da gringa e ainda por cima poderia desfrutar da beleza encantadora da jovem comissária. Pode parecer estranho esta minha fascinação, afinal o Brasil é um país privilegiado em termos de mulheres. No entanto, pense bem: três anos no Japão, convivendo com japonesas que não satisfazem meu conceito de beleza, algumas brasileiras bonitas, mas a maioria descendente, enfim, estava na carência das nossas fogosas e gostosas morenas.
A perspectiva de pisar em nossa terra me deixava agitado e me impediu de dormir. Além disso, o papo estava animado, nós todos esparramados pelo corredor do Boing 747, impedindo a passagem das pessoas que procuravam os banheiros, bem ao nosso lado, tudo é festa onde há brasileiros. Em certo ponto, havia o receio de estranhar o rítmo de vida, a violência, o trânsito, a poluição, o desemprego, a inflação, porém nada disso importava no momento.
- Mais uma cerveja!
- Duas!
- Três!
- Muitas!
A aeromoça trazia cervejas numa bandeja, geralmente destinada às refeições e, ainda por cima, servia amendoins, batatas fritas e outros salgadinhos, sempre preocupada com o nosso bem-estar, mesmo isto representando o mal-estar dos outros quatrocentos passageiros.
Eram sete e pouco da manhã quando o avião começou a fazer a aproximação. Guarulhos não mudara muito: favelas próximas ao aeroporto, o Bairro da Pimenta continuava no mesmo lugar, a terra meio avermelhada não mudara de cor, casas a se perder de vista, o nevoeiro em dissipação ainda encobria aqui e acolá. Rodamos, rodamos e rodamos o aeroporto até eu ouvir aquele som sempre causador de um ligeiro estremecimento no meu estômago, o som das rodas tocando a pista. Na maior parte das vezes, o estremecimento é o temor de algum acidente, porém, naquele instante, era de alegria, intensa alegria. É indescritível a sensação de regressarmos ao país que aprendemos a amar, principalmente depois de alguns anos distante, longe de fatos marcantes para a história nacional, como a queda do presidente escorraçado, a morte do Senna, mais uma mudança de moeda, a chacina do Carandiru e da Candelária, a intensa mobilização da Campanha pela Cidadania, tudo isto acompanhado de muito longe.
Vou bater na mesma tecla do lugar-comum: a saudade mesmo era do calor-humano do povo brasileiro. Poucos minutos após o desembarque pude atestar tal adjetivo. Fui cordialmente recepcionado pela Polícia Federal encarregada da Alfândega, como é de praxe, diga-se de passagem, e após duas horas, fui liberado. Agradeci gentilmente a cortesia e ainda por cima colaborei com a campanha em prol dos meninos carentes do principado de Mônaco, deixando a razoável quantia de quinhentos dólares. Tudo pelo social, pensei.
Isto é Brasil, mas eu não troco por nada.
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2 comentários:

Unknown disse...

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brazilianfashion disse...

Excelente texto...saudades dessas palavras tao tipicas, tao alegres, tao brasileiras!